É verdade que o Novo Testamento não apresenta
diretrizes claras sobre a prática da entrega do dízimo pelos cristãos e esse
fator é, no mínimo, surpreendente. Como afirma Hawthorne, “já que o dízimo
desempenhou um papel tão importante no AT e no judaísmo contemporâneo do
cristianismo primitivo. É surpreendente descobrir que, em nenhuma ocasião, o
dízimo é mencionado em qualquer das instruções dadas à igreja”. Com base nessa
observação, não se pode afirmar que essa prática foi ab-rogada no Cristianismo neotestamentário.
Antes de tomar posição sobre esse
assunto, há que se analisar três assuntos
diretamente relacionados no Novo Testamento: dízimo, dinheiro e contribuições
religiosas.
Os evangelhos possuem três referências ao dízimo.
A primeira
encontra-se na parábola do fariseu e o publicano,
na qual o fariseu se orgulhava de entregar o dízimo de tudo quanto ganhava (Lc18.9-14).
O propósito de Jesus foi o de condenar a atitude daqueles que “confiavam em si
mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros” (v.9). O que foi
condenado na parábola não foi a prática da entrega do dízimo, mas o fato do
fariseu depender de sua justiça própria ao invés de apelar para a graça e
misericórdia de Deus.
A segunda referência ao dízimo nos evangelhos
encontra-se em Mateus 23.23 ou no texto paralelo de Lucas 11.42. Nesses
versículos Jesus também faz referência a uma prática comum dos escribas e fariseus,
que pareciam extremamente zelosos quanto à obediência dos aspectos mínimos da
lei (dar o dízimo da arruda e do cominho), mas negligenciavam a prática da
misericórdia, da justiça e da fé. Como afirma Boanerges Ribeiro, “Jesus não
censura os fariseus por darem o dízimo, mas por julgarem que o dízimo substitui
a base real das relações com Deus”. Jesus, a priori, condenou apenas a hipocrisia dos escribas e
fariseus e não a prática da entrega dos dízimos.
Além das referências ao dízimo encontradas nos
evangelhos, há a passagem de Hebreus 7.1-10. Há que se considerar que o
escritor da carta aos Hebreus certamente não usaria o exemplo do dízimo se o
mesmo não fosse uma prática conhecida por seus eleitores.
Certamente nem todas as vezes que Jesus falou
sobre o dinheiro ele o fez em referência à contribuição. Exemplos disso são encontrados em sua comparação do
reino dos céus a um tesouro escondido no campo (Mt 13.44), na exposição sobre o valor do evangelho (Mt 12.35), na parábola
do administrador infiel (Lc 16.1-13) e outros textos. Mesmo assim, a atenção
dada por Jesus à questão financeira foi notória: “vai da parábola do semeador à
do rico proprietário, do encontro com o jovem rico ao encontro com Zaqueu, dos
ensinamentos acerca da confiança de Mateus 6 aos ensinamentos acerca dos
perigos das riquezas em Lucas 6”.14 Atentar para o ensino de Jesus sobre o
dinheiro é especialmente elucidativo na reflexão sobre contribuições no Novo
Testamento.
Para fins didáticos, a abordagem de Jesus sobre
dinheiro pode
ser analisada a partir de suas observações sobre o
uso negativo e positivo do mesmo. Com relação ao uso negativo do dinheiro,
Jesus deixa claro que o apego às riquezas pode ser um grande empecilho à
salvação (Mt 13.22 e Lc 18.24,25), bem como ao relacionamento do ser humano com
Deus (Lc 12.15, 16.13 e Mt 6.19). A crítica de Jesus é veementemente dirigida
contra a avareza.O dinheiro, na perspectiva de Jesus, deve ser servo e nunca
senhor do cristão.
Parece ser suficiente afirmar que o apego ao
dinheiro para
Jesus é uma idolatria que os cristãos devem
evitar, a fim de crescerem em comunhão, intimidade e dependência ao Senhor.
Ainda que Jesus tenha advertido contra o perigo do
apego ao
dinheiro, ele não impôs qualquer voto de pobreza
como condição à vida cristã.
Qualquer coisa que leva o cristão a desejar a vida
e o conforto terrenos mais do que a consumação do reino é nociva ao crescimento
espiritual. Essa relação idólatra com o dinheiro parece ter sido uma das razões
pelas quais Judas traiu Jesus, vendendo-o por trinta moedas de prata (Mt 26.15 e
27.3).
Jesus ensinou que o dinheiro pode ser utilizado
positivamente.
Na parábola do bom samaritano ele ensinou que o
dinheiro poderia ser usado para fazer o bem, pois o samaritano usou o dinheiro generosamente
no cuidado do homem que ele encontrou ferido pelo caminho (Lc 10.25-37). Jesus
ainda aprovou a decisão de Zaqueu em retribuir tudo o que havia defraudado e
dar aos pobres a metade dos seus bens identificando-a como sinal de
transformação na vida daquele publicano (Lc 19.1-10). Jesus também permitiu que
ricas mulheres piedosas participassem do sustento de seu ministério (Lc 8.1-3)
e comeu com pessoas ricas e privilegiadas (Lc 11.37). Outrossim, ele exortou os
seus discípulos a darem esmolas (Mt 6.2-4). Quando empregados da maneira
correta, os bens materiais e haveres podem ser instrumentos úteis para o
auxílio ao próximo e o avanço da obra do reino.
Um exame detalhado da perspectiva de Jesus sobre o
uso do
dinheiro não seria completo sem uma análise de sua
reação a dois assuntos: o pagamento do tributo civil e a contribuição
religiosa. Com relação ao primeiro, o evangelista Mateus relata que Jesus, ainda
que alegando isenção, pagou o imposto civil a fim de evitar escândalo por parte
dos judeus (Mt 17.24-27). Em outra ocasião, quando o interrogaram sobre a
legalidade de se pagar tributo a César, Jesus prontamente respondeu: “Dai,
pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.15-22). Dessa
forma, Jesus reprovou pelo exemplo qualquer ato de sonegação civil.
Sobre as contribuições religiosas, há que se
observar o caso da viúva pobre. O evangelista Marcos registra que Jesus
observava as pessoas lançarem o dinheiro no gazofilácio e elogiou a viúva pobre
por seu desprendimento, pois “da sua pobreza deu tudo quanto possuía” (Mc
12.41-44). Deve-se notar que, naquele episódio, a contribuição foi tratada por
Jesus como um assunto público a ponto de observar a atitude das pessoas ao
fazê-lo. A contribuição da viúva pobre e dos outros judeus fazia parte da
liturgia na sinagoga e esse fato não recebeu qualquer palavra de desaprovação
por parte de Jesus. Ao contrário, ao aprovar a oferta daquela mulher, Jesus
valorizou a oferta humilde e abnegada, exaltando-a acima da oferta do soberbo e
daqueles que ofertavam apenas daquilo que lhes sobrava.
Pode-se inferir que o Senhor se agrada de que seus
servos cumpram seus compromissos financeiros, tanto civis quanto religiosos. No
que diz respeito a contribuições financeiras na igreja primitiva.
A escritura não permite nenhuma dúvida quanto às
realizações
das mesmas. O livro de Atos contém alguns relatos
sobre o
compartilhamento de posses com o objetivo de
atender aos necessitados na igreja (At 2.45, 4.34 e 36,37).
A prática sistemática da contribuição financeira
no Cristianismo primitivo que mais se aproxima da entrega do dízimo é aquela
descrita como uma coleta a favor dos santos (1Co 16.1-3; 2Co 8-9). É importante observar que alguns cristãos
receberam a exortação de Paulo com alegria e interpretaram a contribuição como
um privilégio (2Co 8.4). Aquela coleta foi incluída na liturgia da igreja de
Corinto (1Co 16.1,2) e deveria ser interpretada como uma expressão de
generosidade, gratidão e adoração a Deus (2Co 9.10-13).
Por essas e outras razões, o Novo Testamento
ensina que as contribuições cristãs não devem se limitar, mas até exceder ao
percentual estipulado pelo dízimo. Portanto,
na ausência de um mandamento explícito sobre o dízimo no Novo Testamento seria
suficiente para considerar a sua prática como anticristã e legalista? O Novo
Testamento esclarece que as ofertas dos cristãos deveriam ser praticadas à luz
da encarnação de Cristo (2Co 8.9). Assim como Cristo deu-se plenamente pela
redenção do seu povo, as ofertas dos seus discípulos devem ser inspiradas e motivadas
pelo seu sacrifício.
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