No Antigo Testamento, a entrega do dízimo
baseava-se na convicção teológica de que o Senhor é o dono de toda a terra, o
doador e o preservador da vida (Sl 24). O dízimo era santo ao Senhor e sua entrega
seria uma demonstração prática do reconhecimento da soberania de Deus sobre a
terra, seus frutos e a própria vida do ofertante. Essa era a razão pela qual
reter os dízimos seria equivalente a roubar o Senhor (Ml 3.10). Ao mesmo tempo,
a entrega dos dízimos era a expressão prática da gratidão a Deus por suas bênçãos
e generosidade para com a nação israelita. Logo, aquele ato possuía significado
cúltico e ocorria em cerimônias acompanhadas de intensa celebração e adoração a
Deus.
Todavia, a retenção do dízimo não estava sujeita
às mesmas penalidades legais provenientes da desobediência civil da lei, como
exclusão social e apedrejamentos. A infidelidade do povo seria disciplinada
por Deus pelas catástrofes
sociais e econômicas.
As razões para a adoção da décima parte como
padrão de contribuição no Antigo Testamento não são específicas.
Esse costume estivesse ligado ao sistema cultural
antigo de contar as unidades em dez, o que teria sido facilitado pelos dez
dedos das mãos e dos pés. Na numerologia bíblica, o número dez parece ser
altamente significativo, uma vez que ele é o produto da soma de dois números
sagrados: o três (Trindade) e o sete (o número da perfeição). Nesse caso, a
identificação do dízimo com o sistema de contar unidades em dez parece ser a
razão mais plausível para a adoção da décima parte como padrão proporcional de
contribuição entre os israelitas. Segundo
o Dicionário Bíblico Wycliffe, a palavra hebraica” azar “ é derivado da palavra
que significa “ dez “ e que também significa “ ser rico “. Aqueles que
argumentam que o dízimo é prática meramente legalista do Antigo Testamento
devem atentar ao fato de que esse costume precedia à instituição da lei
mosaica. No período patriarcal, Abraão entregou o dízimo de tudo a Melquisedeque
(Gn 14.20).
O que foi entregue naquela ocasião, era a décima
parte dos despojos de uma batalha e não do produto da terra ou do rebanho. O texto
não traz mais informações quanto à forma ou o motivo de Abraão tê-lo feito,
pois ao que se sabe, não havia ainda nenhum mandamento divino obrigando-o a
entregar o dízimo. Alguns anos depois daquele episódio, Jacó fez um voto de dar
a Deus o dízimo de tudo o que viesse a
possuir em(Gn28.20). Não se sabe como aquele voto seria cumprido, como o dízimo
seria entregue ou quem haveria de recebê-lo. Porém, esses casos apontam para
duas verdades básicas: a prática de entregar o dízimo fazia parte da
religiosidade dos patriarcas e ela era uma expressão direta do reconhecimento
da generosidade de Deus para com os seus adoradores. A prática religiosa dos
patriarcas quanto à entrega dos dízimos foi incorporada às normas de
contribuição instituídas por Deus à nação de Israel. Esse sistema consistia de
dízimos e ofertas alçadas (quando o povo era divinamente levantado
ou
motivado a ofertar). Segundo essas normas, os judeus deveriam entregar o dízimo
dos cereais do campo, dos frutos das árvores e do produto do rebanho (Lv
27.30-34). Se alguém quisesse entregar o valor monetário no lugar do cereal ou
das frutas, poderia fazê-lo, desde que um quinto da soma fosse adicionado ao
valor principal dos mesmos (Lv 27.31). No caso onde a prática do dízimo envolvia
a entrega de animais, não havia a possibilidade de resgate (Lv 27.30s, Dt
12.6). Entregar animais defeituosos ou em condições inferiores ao restante do
rebanho como parte do dízimo era
terminantemente proibido e seria interpretado como um ato de ofensa à santidade de Deus.
O dízimo deveria ser entregue aos levitas e
destinava-se, em grande medida, ao sustento do santuário e dos sacerdotes que
nele oficiavam (Nm 18.21-24). Devido à
natureza do trabalho que realizavam no
santuário, os levitas não tinham outros meios de renda, nem gado e nem herança
entre as tribos de Israel. Consequentemente, eles seriam sustentados pelos
dízimos. Há que se notar que os levitas não tinham permissão para conservar
para si a totalidade dos dízimos consagrados. Ao contrário, eles mesmos estavam
sujeitos às normas de contribuição e
deveriam entregar “os dízimos dos dízimos”
(Nm 18.26 e 28). A
parte oferecida pelos levitas seria sempre a melhor
parte dos dízimos recebidos.
Os dízimos eram geralmente entregues no templo, em
um ato de adoração, o qual assumia a forma de uma celebração festiva e familiar (Dt 12.5-19). Por meio da entrega
dos dízimos o povo era incentivado a
reverenciar o Senhor com todas as suas posses. Havia duas ocasiões para a
entrega dos dízimos no Antigo Testamento: anualmente ou a cada três anos. Sobre
a prática anual, os israelitas levavam o
dízimo ao templo e ali
participavam, juntamente com os
sacerdotes, de uma refeição cultual envolvendo a família (Dt 12.5,11 e 14.23).
Geralmente, os dízimos do triênio eram o produto do gado e do fruto da terra e poderiam
ser substituídos por um equivalente monetário (Dt 14.24-27). A soma dessa contribuição trienal permanecia em diferentes cidades de Israel e era destinada ao sustento dos sacerdotes
e dos necessitados (Dt14.22-29). A lei previa que parte do dízimo seria utilizada como um imposto
nacional destinado ao sustento da monarquia. Por essa razão, no final do
período dos juízes, Samuel procurou desmotivar
o povo que clamava por um rei, apelando para as consequências econômicas e advertindo que o rei teria que ser sustentado por meio dos dízimos do povo (1Sm 8.15 e
17).
A entrega dos dízimos era tão central à vida da
nação de Israel que Neemias a restituiu tão logo, assim que o povo foi liberto
do cativeiro babilônico (Ne
13.10-14). A desobediência dessa prática, de acordo com o profeta Malaquias, equivalia
ao pecado de roubar a Deus e o povo seria repreendido e até punido por fazê-lo
(Ml 3.6-12).
Em épocas de intensa idolatria, os israelitas
entregavam seus dízimos aos ídolos em cultos pagãos, multiplicando assim suas
transgressões diante do Senhor (Am 4.4,5). Por essa razão, toda reforma religiosa e despertamento espirituais em Israel incluía a restauração
da prática da entrega dos dízimos, como aconteceu na época de Ezequias e
Neemias (2Cr 31.10,11; Ne 13). Ao que parece,
os dízimos eram recolhidos em um depósito que na época de Neemias eram chamadas “as câmaras da casa do
tesouro” (Ne 10.38). É importante
observar que a restauração da prática nacional da entrega dos dízimos era recebida com
grande alegria por parte do povo, pois expressava o comprometimento do mesmo para uma adoração genuína a Deus (Ne 12.44).
Além dos dízimos, a lei mosaica prescrevia outros
tipos de contribuições, como era o caso das ofertas das primícias e das ofertas alçadas (Êx 23.16, 19 e 34.22-26). Essas
ofertas deveriam atender ao princípio da proporcionalidade, pois eram dadas
segundo a bênção do Senhor sobre os
ofertantes (Dt 16.10). Segundo as normas para essas contribuições, as ofertas
das primícias eram especialmente apresentadas
durante a Festa das Semanas, também chamada de Pentecoste ou Festa das
Primícias, por ser realizada cerca de 50 dias após a Páscoa e por coincidir com
os primeiros frutos da colheita
anual em Israel (Nm 28.26). Parte dessas ofertas eram destinadas para o
sustento do pobre, do órfão e da viúva, outra parte à realização de uma ceia comum e ainda uma
terceira parte destinava- se ao sustento dos sacerdotes. Enquanto o dízimo era
anual e trienal, as ofertas poderiam ser entregues em várias ocasiões do ano, especialmente na época das colheitas ou
eventos festivos. Assim como os
dízimos, as ofertas das primícias também eram entregues
em reconhecimento da soberania
e generosidade de Deus para com a
nação de Israel (Dt 26.1ss). Assim
como acontecia com o dízimo, a
entrega das ofertas era acompanhada por grandes celebrações.
Algumas pessoas confundem as ofertas das
primícias com o dízimos, mas o relato
bíblico indica que se tratavam de
duas formas distintas de contribuição na
nação de Israel. Embora a oferta das
primícias e os dízimos sejam mantidos lado a lado em alguns textos da
Bíblia (Dt 26.1-15), as ofertas deveriam ser entregues várias vezes no ano, ao
passo que o dízimo era anual e trienal. Não se deve ainda confundir as ofertas das primícias
com outras ofertas de caráter mais
devocionais como as ofertas de libações (Nm 15.1-15), ofertas de holocausto, ofertas de manjares e sacrifícios
pacíficos (Lv1-3). Ainda que as ofertas devocionais expressassem gratidão e
consagração a Deus, elas não tinham qualquer
propósito econômico.
As ofertas alçadas, ou contribuições esporádicas,
eram aquelas que o próprio Deus movia
o coração dos ofertantes para fazê-las.
O povo era levantado (alçado) a contribuir de uma
forma extraordinária para com a obra de
Deus, quer por mera gratidão ou por alguma
necessidade específica. Um exemplo desse tipo de oferta encontra-se em Êxodo
25-36, por ocasião da construção do tabernáculo. Aquela construção foi
divinamente ordenada e providenciaria um local de adoração para o povo de Deus.
O tabernáculo era a tenda da
congregação, onde se encontrava a arca do testemunho e onde Deus encontrava-se com o seu povo
por meio do sumo sacerdote (Êx 29.42-3; Nm 17.4). Para a construção do
Tabernáculo, o Senhor ordenou que o seu povo ofertasse voluntariamente, pois os dízimos já tinham a sua
aplicação normal na vida da nação. Um outro
exemplo pode ser encontrado nas ofertas de Davi e dos príncipes para a construção do templo (1Cr 29).
Aquelas ofertas resultaram em “grande abundância” que foi dedicada ao Senhor e
todos“comeram e beberam, naquele dia, perante o Senhor, com grande regozijo” (1Cr 29.22). O princípio básico das ofertas alçadas
encontra-se em Êxodo 25.2:“Fala aos filhos de Israel que me tragam oferta; de
todo homem cujo coração o mover para isso, dele recebereis a minha oferta”. Essas ofertas não eram compulsórias, mas voluntárias. Os
contribuintes eram todos aqueles cujo
coração era especialmente movido para tal.
Esse mesmo princípio foi enfatizado em Êxodo 35.5
e o resultado foi que “veio todo o homem cujo coração o moveu e cujo espírito o impeliu e trouxe a oferta ao Senhor para a
obra da tenda da congregação, e para todo o seu serviço, e para as vestes
sagradas” (Êx 35.21).
Alguns princípios sobre o sistema de contribuição
da lei mosaica devem ser corretamente entendidos e enfatizados. Primeiro, ainda que o propósito imediato dos dízimos era
o sustento dos levitas e do santuário, todo o povo de Israel deveria entregá-lo
como um reconhecimento de que o
dízimo pertencia ao Senhor (Lv 27.30).
As ofertas também expressavam o reconhecimento da
soberania divina sobre a vida e os
sucessos humanos. Ambos eram ordenanças divinas
e a prática das mesmas era sempre em obediência e gratidão a Deus. Em segundo lugar, os dízimos
eram destinados ao auxílio dos
necessitados, especialmente o estrangeiro, o órfão e a viúva (Dt 14.28,29).
Em terceiro lugar, uma parte tanto dos dízimos
quanto das ofertas das primícias destinava-se
à realização de uma refeição nacional onde
todo o Israel, reunido em diferentes cidades, celebrava as bênçãos de
Deus sobre a nação (Dt 12.12). Essa refeição tinha o propósito de celebrar a Deus por suas bênçãos e
preservação da vida dos israelitas. Na comunidade pactual de Israel, a
contribuição era um ato de
adoração ao Senhor de toda a terra. Em quarto lugar, os dízimos atendiam o
princípio da proporcionalidade, pois pela entrega dos 10% todos davam igualmente. Há que
se observar ainda
que essa era uma contribuição sistemática e não
esporádica.
Por alguma razão, o montante da contribuição
judaica no período intertestamentário e nos primeiros anos da era cristã passou
a ser um imposto per
capita de meio siclo por ano.
Esse imposto como aquelas duas dracmas que foram
cobradas de Pedro e de Jesus (Mt 17.24). Ele informa que essa dívida era
cobrada não apenas dos judeus da
Palestina como também daqueles que
se encontravam a Diáspora. Hoje em dia, muitos judeus piedosos contribuem com o dízimo para propósitos educacionais, religiosos e
sociais. Dessa forma, o princípio religioso foi incorporado às normas civis da
nação.
Portanto, o dízimo era praticado desde antes de
Moíses receber a lei de Deus. Muito tem argumentado que para o cristão ele
possui um padrão atemporal, ao invés de ser meramente uma parte da lei cerimonial do AT, assim como o israelita,
devemos reconhecer que somos apenas um mordomo, pois somos apenas peregrinos .
Referências:
Teologia Para Vida / Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel e Dicionário
Bíblico de Wycliffe.
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