Discernimento é uma prática espiritual que todo crente deve
desenvolver no seu relacionamento com o Senhor. O apóstolo Paulo recomendou aos
filipenses que eles crescessem em sabedoria e conhecimento para que pudessem
escolher as coisas excelentes. Assim, poderiam viver sem culpa e agradar a Deus
até a volta de Cristo (Fp l .9-11). Ter sabedoria e conhecimento remete a discernir
julgar ou escolher entre duas ou mais opções. O conselho paulino, então,
expressa que devemos desenvolver uma reflexão crítica que nos ajude na nossa
santificação para sermos melhores servos de Deus e cumprirmos os propósitos
divinos na nossa vida.
Praticar o discernimento é reconhecer quando Deus está se
comunicando com alguém, ou se é alguma distração. Como escreveu Richard Peace,
teólogo e professor de formação espiritual, discernimento é uma maneira para
distinguir as diversas vozes, impulsos, conselhos e intuições. Isso não é fácil
para aqueles que vivem uma rotina carregada de atividades. A sensibilidade do
reconhecimento depende da intimidade que se tem com o Senhor, de quanto se está
atento para ouvir e seguir as orientações dadas pelo Espírito Santo (1 Co 2.11 -16). Terão dificuldades em
identificar a voz divina aqueles que não buscam a presença do Senhor. O uso do
discernimento considera tanto a tomada de decisão em assuntos corriqueiros da
vida humana como também o discernimento de espíritos. Há diferentes tipos de
discernimentos porque as escolhas também variam.
A passagem de l
Coríntios 12.8-10 fala sobre dons espirituais relacionados ao ato de discernir;
são eles: sabedoria, conhecimento e discernimento de espíritos. Seguindo a interpretação
dos assembleianos brasileiros, como expresso na Declaração de fé das
Assembléias de Deus, "o dom da sabedoria é um recurso extraordinário
proveniente do Espírito Santo, cuja finalidade é a solução de problemas
igualmente extraordinários" (p. 173). É para resolver algo que está além
das condições humanas e que só a intervenção divina soluciona. O outro dom, o
do conhecimento, é uma compreensão que também só provém de Deus, manifestada
pelo Espírito Santo. Da mesma forma é o discernimento de espíritos: só pelo
Espírito Santo é possível identificar as imitações malignas. Esses dons
apresentados em 1 Coríntios 12 são aqueles relacionados a situações
excepcionais que somente a atuação divina pode solucionar, independentemente do
esforço ou da inteligência humana.
Nós, que vivemos o período da igreja, temos o privilégio de
desfrutar da operação do Espírito Santo no mundo. Podemos ter conhecimento da
vontade de Deus porque o Espírito Santo foi dado à igreja e a cada crente para
nos guiar em toda a verdade (Jo
16.12-15). Essa atuação é consequência de Pentecostes (At 2). São diversas
as implicações dessa prática que banalizam a operação do Espírito Santo. Fica
no esquecimento que Deus deseja interagir com cada pessoa, e o cristão não é
incentivado a submeter-se e a desenvolver um relacionamento com Deus. Corre-se
o risco de reduzir a prática do discernimento a emoções. Cria-se a imagem de um
Deus oferecedor de coisas materiais.
Alguns pontos podem servir como referência para avaliar se o
discernimento diante de determinada situação é de providência divina. Um bom
indicador é observar se a mensagem que recebemos é compatível com a mensagem da
Bíblia. Outra maneira de avaliar a mensagem recebida é conversando com pessoas
de confiança na igreja que frequentamos ou outros crentes.
Discernimento é para a vida cristã como um todo, e não só
para momentos de decisão ou discernimento dos espíritos malignos. Portanto, ter
bom discernimento e direção está relacionado a viver na presença de Deus. O
relacionamento íntimo se desenvolve por meio da oração, do conhecimento e
prática da sua Palavra (Sl 119.105),
deixando que nossa mente seja guiada pelo Espírito Santo (1 Pe 5.7) e pedindo por sabedoria quando ela for necessária (Tg 1.5, 6).
A base do
discernimento pessoal está apresentada no ensino de Paulo. Com base em Romanos
12.1,2, é preciso ter compromisso com Deus, a mente renovada e uma vida em
comunhão com uma igreja. Dessa forma, a vontade de Deus pode ser conhecida.
Esses são elementos imprescindíveis para a vida cristã, não só para discernir o
bem do mal.
Ter
compromisso com Deus significa entregar a vida ao Senhor. Esse pensamento
paulino é identificado por A. W. Tozer em "Como o Senhor guia".
Segundo o autor, para ter discernimento, é fundamental que o crente se dedique
à glória de Deus e se entregue ao senhorio de Jesus Cristo. A natureza humana é
pecaminosa, "porque todos pecaram e destituídos estão de Deus" (Rm 3.23). Portanto, o primeiro passo é
ter consciência dos pecados e confessá-los ao Senhor. Devemos, então, ter uma
vida santa e nos oferecer por completo ao Senhor - física espiritual e
emocionalmente, isso é o culto racional.
Essa
atitude de ter compromisso com Deus leva à transformação de vida. Antes era o
pecado que dominava a pessoa, mas, em Cristo, o pensamento e as emoções são
trabalhados por Deus (Rm 8.9, 10). Aqueles que não se dedicam à santificação
não são capazes de andar segundo o Espírito de Deus porque não é esforço humano
que transforma, mas Cristo (Rm 8.1-4). Estar em Cristo é não viver pelo pecado,
mas sim ser guiado pelo Espírito Santo.
A
transformação é a reversão do intelecto corrompido, porque a mente degenerada
não consegue avaliar a vontade de Deus. Pela fé em Cristo, a vida pecaminosa é
transformada em uma vida reta. Assim, a renovação da mente significa deixar o
pecado e viver de acordo com os padrões divinos, tendo em vista não o presente,
mas a era vindoura. O resultado é o cristão usar seu corpo para servir a
Cristo.
Tendo
uma vida dedicada ao Senhor com uma mente guiada pelo Espírito, o cristão ainda
precisa estar ligado a outros crentes. Estar em comunhão com a igreja, ou o
corpo de Cristo, significa cuidar dos membros (Rm 12.4), aprender a viver em submissão aos outros (Rm 12.5), sobretudo à liderança. Estar
em comunhão com os irmãos e as irmãs ajuda a entender a operação divina por
meio do Espírito Santo e a esclarecer a vontade de Deus.
Nos versos 1 e 2 de
Romanos 12, vemos que o discernimento da vontade de Deus para nossa vida é
resultado da atividade mental humana. O culto racional dispensa "truques
mágicos" e não pode ser reduzido a emoções. Tendo um relacionamento sólido
com o Senhor, o Espírito Santo trabalha em nossa vida por completo, e assim somos
capazes de reconhecer o que é bom da perspectiva divina.
As Escrituras, por
meio da operação do Espírito Santo, desempenham um papel importante na vida
humana (Cl 3.16) e servem de
controle para a prática do discernimento. Por meio delas, aprendemos sobre a
salvação, Deus e sua revelação em Jesus, e nossa fé é fortalecida. O texto
bíblico é a referência do cristão, e nenhuma mensagem que lhe é entregue está
acima do texto inspirado pelo Espírito Santo. Isso aponta para as limitações do
discernimento humano. Embora tenhamos a capacidade de avaliar o que é
moralmente certo ou errado, as mensagens recebidas são uma garantia interna de
que Deus está conosco e não podem ser impostas as outros como regra.
A
oração é uma ferramenta fundamental para o discernimento, por se tratar de
relacionamento e comunicação com Deus. Como se ora, no entanto, precisa ser
avaliado. Se o objetivo é a busca por melhor compreensão, a oração não deve ser
intercessora ou peditória. O discernimento pode ser tanto pessoal quanto
coletivo. Por pertencer a uma igreja local, muitas vezes surgem ocasiões em que
é preciso decidir sobre algo que afetará todos os irmãos e irmãs. Quando
discernimos a voz de Deus, é o momento de responder a ela. Essa atitude reflete
nosso interesse em nos relacionarmos com o Senhor. São diversas as maneiras
como podemos responder: com louvor, arrependimento, quebrantamento, confissão
de pecado, agradecimento e mudança de atitude. Essa atitude, então, mostra que
estamos abertos a viver e ser transformados conforme a vontade de Deus, e não
conforme a nossa própria vontade.
No
contexto evangélico brasileiro, em que predominam os que acreditam na
manifestação sobrenatural dos dons espirituais, é preciso tomar cuidado para
não entender o discernimento como uma prática mágica. Esse tipo de atitude
transfere o discernimento a determinadas pessoas que seriam capazes de
distinguir as mensagens divinas das demoníacas ou receber informações
privilegiadas sobre os eventos. Essa crença cultural, então, pode ser levada
para a igreja, e os crentes passam a nomear pessoas oportunidade para se ficar
em silêncio na presença do Senhor.
Bibliografia: Livro
de apoio do trimestre EBD -Esequias
Soares &
Daniele Soares – Batalha espiritual.